domingo, 24 de fevereiro de 2013

Só para manter a tradição?

Ora aqui vem a continuação ao Quem é que mais adoras?.

Uma das situações mais recentes em que fui confrontada com as questões da igreja, se bem que de um modo indireto mas que no fundo tudo tinha a ver comigo, foi quando me casei. O nosso casamento foi pelo civil, mas houve vozes de crítica a isso. Houve quem tentasse que mudássemos de opinião e fizéssemos um casamento católico. E o pior de tudo foi o modo como essa pressão foi feita e os motivos por que foi feita... O método usado para pressionar foi à base de chantagem emocional. Sempre que essa pessoa falava sobre esse assunto, chorava. E uma das razões que invocava era o que as pessoas iam pensar. Esta situação não foi nada fácil de gerir para o meu marido, já que era com ele que falavam sobre isto. Uma fase das nossas vidas que devia ser marcada pela felicidade e união, pelo gosto e pelo querer em organizar tudo bem para que tudo corresse exatamente como desejávamos, acabou por ser algo atribulada por causa desse conflito. Ainda hoje não consigo aceitar que essa situação tenha ocorrido, mas pronto, pelo menos são águas passadas.

Mas agora uma nova fase complicada se aproxima. Na realidade já se iniciou. O não batizado do nosso filho... Ele está quase a fazer 1 ano e até agora nunca ninguém nos ouviu falar em batizado. No outro dia a minha avó telefonou-me e veio-me com esta questão. E eu que achava que ela já tinha mudado, uma vez que ela não fez nenhum bicho de sete cabeças do facto de não me ter casado pela igreja. Na verdade, ainda nem sequer falávamos em casamento, e uma vez ela disse-me que não interessava como eu ia fazer, se me ia juntar, casar ou fazer como fizesse. Que o que importava é que eu fosse feliz. Mas agora voltou a puxar do assunto. Tentei explicar-lhe que nós não o vamos batizar porque não acreditamos nisso. Que se um dia ele quiser até lhe faço uma festa, mas que não vai ser por nossa iniciativa. Claro que ela ficou triste e acabou a conversa a dizer que sem as bases dificilmente ele um dia vai querer, mas que pode ser que sim, que ela vai rezar muito por isso...

Em relação a este assunto, tal como já foi em relação ao casamento, é muito simples. Eu não faço de conta. Não acredito em deus nem em nada da igreja e o meu marido também não. Então porque razão nos haveríamos de casar pela igreja e de batizar os nossos filhos? Só para manter a tradição? É que há muito boa gente que o faz. Que se casa pela igreja e batiza os filhos com um sorriso nos lábios só para parecer bem, só para manter a tradição. E se me pedirem para participar nesses eventos eu participo de boa vontade. Se as pessoas estão felizes dessa maneira (mesmo que seja principalmente pelas aparências), então a mim como amiga ou familiar só me cabe respeitar essa decisão e estar presente para testemunhar dessa felicidade. Pelo menos é assim que eu penso.

Mas na minha vida mando eu. E na nossa vida mandamos eu e o meu marido. E não me venham cá com conversas, mas se não podemos ser nós a decidir como queremos viver a nossa vida então mais vale amarrarem-nos uns fios às mãos e aos pés e decidirem o nosso destino como se marionetas fôssemos.

Cá em casa o nosso filho não nos vai ouvir falar em deus. São as tais bases que a minha avó diz que lhe vão faltar. Mas eu não sou tapadinha. Vivemos num país católico e por isso as manifestações de religião estão em todo o lado. A menos que o prenda em casa toda a vida sem acesso a televisão, rádio e internet, então o meu filho vai ouvir falar nessas coisas. E vou impedir? Não, claro que não. Essas coisas também fazem parte da nossa cultura, da história do nosso povo, para o bem e para o mal. Se ele neste natal que passou fosse mais crescidinho, de certeza que um dia tinha chegado a casa a perguntar coisas sobre deus, porque no infantário fizeram uma festa de natal e naturalmente houve um presépio e alusão ao natal cristão. E ele vai crescer rodeado por outras pessoas, por outros miúdos. A única coisa que posso esperar é que ele não seja influenciado e que construa as suas próprias opiniões e crenças. Se assim for, mesmo que acabe por se tornar numa opinião diferente da minha, então tudo bem.
 
Algures no texto disse que não faço de conta. Fi-lo durante muitos anos ao ir à missa, à catequese, ao levantar-me cedo nos domingos de páscoa para fazer de conta que dava um beijo na cruz. Tudo isso acabou quando finalmente decidi confrontar a minha mãe (e depois a minha avó) dizendo que não acreditava em nada daquilo. E foi um peso enorme que saiu de cima de mim. Mas entretanto já tive de fazer de conta uma vez. Foi na primeira páscoa depois de nos casarmos. Fomos passá-la a casa de uns tios do meu marido. Quando estávamos a ir para lá eu disse-lhe que eu não ia fazer de conta que ia dar um beijo na cruz. Expliquei-lhe que já há muitos anos que não fazia isso em minha casa e que portanto para mim não fazia sentido que se não o fazia pela mãe e pela minha avó, então não o ia fazer por outras pessoas. Disse-lhe que era melhor ele "avisar" a mãe antes e disse-lhe até que se ele quisesse no momento em que o compasso chegasse eu podia fazer de conta que tinha de ir a correr para a casa de banho... O compasso chegou inesperadamente. Quando dei conta já estavam a subir as escadas da casa e toda a gente foi a correr da cozinha para a sala. O meu marido ficou a olhar para mim como que a dizer "que vais fazer?". A mãe dele percebeu que algo se passava porque também olhou para mim. E naquele momento percebi que estava prestes a fazer de conta outra vez na minha vida. Não pela minha mãe. Não pela minha avó. Muito menos pela minha sogra ou pelos tios do meu marido. Estava prestes a fazer de conta outra vez pelo meu marido. E lá fui eu. Tentei encarnar o espírito da coisa. Já que estava ali ao menos ia tentar não estar de "trombas". Mas acho que não consegui disfarçar muito bem. Seja como for isso era irrelevante para todas as outras pessoas. Eu estava lá e isso é que interessava. Ninguém tinha de ficar mal visto, ninguém tinha de fazer má figura por causa de mim. Lá dei um beijo no ar sempre a recuar, porque quem estava a segurar na cruz teimava em tentar chegá-la para mim (e nunca vi um propagador de doenças tão eficaz como uma cruz que anda de boca em boca a ser beijada por todos). Disseram para lá umas coisas, atiraram água para o ar, receberam um envelope com dinheiro (!?) e foram embora. Melhor que isso, aquela situação horrorosa onde estava de novo metida estava terminada.

Ainda não voltei a passar pelo mesmo. Na páscoa seguinte fomos a casa dos meus pais e lá não sou obrigada. No ano passado passámo-la em nossa casa com os meus sogros e portanto como era a nossa casa não foi lá o compasso. Este ano, em princípio, deve ser novamente com os meus pais, por isso estou livre por mais um ano.

Mas esta situação vai acontecer de novo. E não sei como, mas não vou voltar a fazer de conta. Até porque quando o fiz ainda não tínhamos filhos. Agora já temos um. E eu não lhe quero passar a imagem do fazer de conta. Onde é que estava a coerência em afirmar que não acredito em deus e em nada dessas coisas e depois perante outras pessoas agir como se acreditasse? Que para mim a páscoa e o natal são apenas festas para estar com a família, para fazer uma árvore e dar prendas, para comer doces, chocolates e ter um ovo da páscoa, e na presença de outras pessoas agir como se para mim também fossem festas católicas? Não, não vou fazer de conta. Já não é tanto por mim, mas é mais pelo meu filho. Se eu afirmo uma coisa então tenho que me manter fiel a essa afirmação, não vou andar a alterar o meu comportamento e ser diferente daquilo que acredito perante determinadas pessoas. Não faz o menor sentido e não quero que o meu filho aprenda e cresça a ser assim. Quero que ele aprenda a criar as suas próprias opiniões e quero que se sinta sempre no direito de viver segundo elas e não segundo as aparências.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Quem é que mais adoras?

Lembro-me como se tivesse sido hoje e no entanto já se passaram muitos e muitos anos. Era então apenas uma miúda, uma criança cuja preocupação mor era brincar até não poder mais :)

Fui educada no sentido de ser católica praticante, daquelas que vão à missa todos os domingos. Andei na catequese o tempo todo. Fiz todas as comunhões. A minha mãe assim entendeu que devia ser, até porque ela nasceu numa família de forte devoção. Já o meu pai, apesar de ter sido também criado nesse sentido (apesar de com menos "intensidade"), por altura do meu nascimento já não era praticante e no que dizia respeito a essa parte da minha educação sempre se absteve, nunca me forçando a tomar qualquer direção.

Imagino que tendo sido eu uma criança e uma adolescente pouco ou nada problemática, sempre muito certinha e fiel aos meus "compromissos" divinos, que tenha sido um choque quando um dia disse, já depois de finalmente ter feito a última comunhão possível, que não voltava a ir à missa. A minha mãe falou comigo várias vezes. A minha avó também. Sempre me tentaram demover e convencer a voltar. Mas eu estava determinada e convicta do que queria e do que acreditava, ou melhor, do que não queria e do que em que não acreditava. Passado uns tempos as conversas sobre o assunto terminaram e finalmente aceitaram.

Mas as confrontações sobre o facto de eu não acreditar em deus, ou num deus, não ficaram por aqui e já mais do que uma vez, ao longo da vida, elas voltaram. Muitas vezes por parte de amigos.

Sabem uma coisa? O que eu sempre quis em relação a este assunto, que eu sei que é delicado e complicado de gerir (acreditem que sei isso!), é que me respeitem. Apesar de me terem "chateado" muitas vezes com isto, de me terem tentado mudar a opinião e de até me terem criticado, eu nunca, mas mesmo nunca fiz o contrário. Nunca tentei convencer um crente a deixar de acreditar. Nunca tentei convencer ninguém a deixar de ir à missa. Nunca critiquei ninguém por acreditar em deus.

Eu acredito sobretudo na ciência, acredito sobretudo que não devemos deixar de procurar respostas para os mistérios ainda por desvendar. E como tal, no meu entender, isso também significa que até prova em contrário qualquer hipótese será válida. Se alguém me disser "o meu gato foi o criador do universo" eu vou pensar, tal como praticamente qualquer pessoa pensaria, "não estás bom da cabeça", no entanto, posso provar que não é verdade? Eu sei que este é um exemplo um bocado idiota :) mas é só para deixar claro o meu ponto de vista. A ciência baseia-se em factos e considera verdade tudo aquilo que consegue provar. Do mesmo modo, considera como impossível ou como mentira aquilo que consegue provar como o sendo. Portanto, a bem dizer, a hipótese de que existe um deus (ou vários, depende da religião) não pode estar afastada pela ciência enquanto a ciência não provar que deus não existe. Pelo menos é assim que eu vejo as coisas.

Eu não acredito que deus exista. Não acredito que houve uma entidade superior que nos transcende que criou tudo o que existe. E ainda bem que não acredito, ainda bem que há mais pessoas como eu e ainda bem que as há desde sempre. Se assim não fosse, ainda hoje vivíamos atormentados sempre que houvesse trovoadas pois seriam um castigo dos deuses...

Mas como em tudo tem de haver equilíbrio e nesta matéria acho que vai haver sempre pessoas que não acreditam e pessoas que acreditam. Pessoas que procuram outras respostas para os mistérios e pessoas que se contentam com uma resposta simples, mesmo que não a compreendam. E por este motivo e pelo facto de que eu sou uma pessoa que se preocupa em promover o respeito, nunca critiquei ninguém só porque tem uma opinião diferente da minha nem nunca tentei convencer ninguém a mudar de lado. E o que me deixa triste é que já fizeram isso tudo comigo, várias vezes. Não acho que a minha maneira de ver as coisas seja a correta e que a maneira das outras pessoas seja a errada. Então porque razão as outras pessoas se acham no direito de considerar a sua forma de ver mais válida do que a minha? É apenas a minha opinião e vale o que vale. Para mim vale muito, para os outros pode não valer nada. E com isso posso eu bem.

O engraçado nisto tudo é que eu sei que há pessoas que pensam que fui influenciada pelo meu pai. Não podiam estar mais erradas. Como já referi, enquanto que o lado da minha mãe me puxava para um sentido, o meu pai não me puxava para nenhum. Em vez disso promovia que eu pensasse por mim e estou-lhe muito grata por isso, pois desde muito cedo que eu comecei a formular as minhas opiniões sobre os mais variados assuntos. Sempre me interroguei sobre o universo ser ou não inifinito e formulava as minhas próprias teorias. Queria saber o que é um arco-íris e porque motivo é em arco. Queria perceber o que era a lua e porque não era sempre do mesmo tamanho e forma. E no que diz respeito à religião pensava muitas vezes que não conseguia perceber como é que podia existir um deus que tinha criado tudo.

O maior contacto que tinha com a religião era na catequese e na missa. Quando era pequenina essas duas horas por semana eram para mim um verdadeiro desperdício. Para quê estar ali sentada a fazer de conta que ouvia falar, quando podia estar a brincar ou a ver desenhos animados? À medida que fui crescendo a noção de desperdício manteve-se, mas decidi que ia começar a ouvir o que o padre dizia para perceber se havia algum sentido naquelas palavras. E foi então que a minha verdadeira aversão à igreja começou. Muito sinceramente não acredito que haja alguém que após meia dúzia de vezes com o máximo de atenção a tudo o que se diz numa missa, continue a ir. Para começar há uma série de coisas que se dizem durante a missa que se contradizem e vão contra alguns dos seus próprios princípios. Depois, aquele monólogo do padre durante 15 ou 20 minutos pode ser um verdadeiro tesourinho deprimente. Não me lembro do assunto que foi, mas lembro-me de uma vez estar na missa e de sentir uma revolta enorme pelo que o padre estava a dizer. Ele estava a comentar um assunto qualquer atual. Eu não concordava em nada com a opinião dele, mas o meu problema não era esse. O meu problema era a forma como ele estava a colocar a questão e a forma como estava a falar dela. Eu tinha a capacidade de pensar por mim e não me deixar influenciar, mas lembro-me de olhar à volta e de ver toda a gente muito concentrada e a absorver tudo tão avidamente, que era quase certo que a partir daquele momento a opinião de todas aquelas pessoas sobre aquele assunto seria a mesma, e coincidente com o que o padre estava a dizer. E acho isso extremamente perigoso. A capacidade que um padre tem de influenciar e moldar a mentalidade e a opinião dos seus fiéis.

Aqui ficam alguns exemplos ridículos de coisas que se dizem durante a missa e de coisas que se "ensinam" aos miúdos.
  • "Senhor eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e eu serei salva". Então, mas eu pensava que segundo a igreja somos todos iguais. Jesus não decidiu nascer pobre para mostrar que não é mais do que os outros, que é humilde? Se assim fosse, porque razão alguém não seria digno de ter jesus na sua morada?
  • Aquela história fabulosa em que deus pergunta não sei a quem se o adora. Ele responde que sim. E deus diz que para o provar tem de matar o filho. Então ele vai matar o filho e mesmo em cima do acontecimento deus aparece, impede-o e diz que acredita que ele o adora. Esta é provavelmente a coisa mais idiota que pode haver em toda a bíblia ou onde quer que seja que esta história aparece. Alguém que me fizesse esse ultimato e eu nunca mais queria ver essa pessoa à minha frente. Mas alguém no seu perfeito juízo diria a uma pessoa que para provar que o adora teria de matar alguém, o seu próprio filho? Só mesmo alguém que não gostasse dessa pessoa, alguém com um pensamento muito macabro provavelmente com tendências psicopáticas. Desculpem se neste ponto em concreto não consigo ter uma mente aberta e aceitar que haja quem veja nesta história uma grande prova de amor (do pai que ia matar o filho por deus, de deus que não deixou o pai matar o filho por ele).
A minha escrita sobre este assunto já vai longa e sinto que me perdi e dispersei. Voltarei a ele noutra altura até porque ainda gostaria de falar de outras coisas. Mas antes de terminar queria dizer que não guardo rancor nem à minha mãe nem à minha avó. Não gosto menos delas só porque numa dada altura da minha vida insistiram demasiado comigo sobre este assunto. Na verdade gosto na mesma, é impossível não gostar. Eu sei que elas acreditavam que estavam a fazer o que era melhor para mim. Acreditam profundamente na religião cristã e gostando de mim queriam o melhor para mim, e como tal, para elas, eu ser cristã, uma católica praticante, uma crente, seria uma coisa positiva na minha vida.

Mas a realidade, e aqui está um pouco a ironia da coisa, é que sem saber a minha avó foi provavelmente a alavanca que despoletou em mim muito cedo uma certa aversão à igreja e a ser católica. Lembro-me como se tivesse sido hoje e no entanto já se passaram muitos e muitos anos. Era então apenas uma miúda, uma criança cuja preocupação mor era brincar até não poder mais :) Não sei que idade tinha. 5? 6? Por ai. Era fim do dia e devia ser outono. Ainda não era hora do jantar, mas quase, porque fui à minha avó buscar qualquer coisa que a minha mãe me pediu para o jantar. Ainda não era de noite, mas já estava a ficar um pouco escuro. Quando já estava a ir embora de volta para casa, a minha avó chamou-me e ali no corredor, junto à porta de saída, fez-me a seguinte pergunta "quem é que mais adoras?". Fiquei parada a olhar para ela a pensar que a pergunta não fazia sentido. Que era óbvio que gostava da minha mãe e do meu pai e foi isso que respondi "a mamã e o papá". "Não", disse ela, "tem de ser só uma pessoa". Naquele momento estava já a detestar aquela conversa e só me queria ir embora. Pensava que não podia ser, eu não gostava mais da minha mãe ou do meu pai, gostava dos dois igual e não queria escolher um deles. Pior que isso não gostava que a minha avó me estivesse a obrigar a escolher um deles e que me estivesse a fazer sentir daquela maneira. Só me queria embora, como já disse, e então respondi "a mamã" pois sendo ela a mãe da minha mãe pensei que era isso que ela queria ouvir e assim a conversa acabava depressa. "Não, não é a mamã". E então prontamente respondi "o papá", pois se a resposta certa não era a minha mãe, então só podia ser o meu pai. "Não, também não é o papá". Naquele momento estive quase para me ir embora . Não podia acreditar que a minha avó depois de me ter obrigado a "escolher" entre a minha mãe e o meu pai, tenha decidido ela quem são as pessoas que mais adoro ou, neste caso, que eu não mais adoro. Acabei por dizer "a ti", pensando que era isso que ela queria ouvir. A resposta dela foi "a deus". Acho que soltei um "ah!" e fui-me embora completamente baralhada das ideias sem perceber porque é que a minha avó queria ser ela a decidir de quem eu gostava mais, e porque é que eu tinha de gostar mais de deus do que dos meus próprios pais. E já agora, "quem é deus? nunca o vi! como posso gostar mais dele do que dos meus pais?". Depois desta conversa passei ao máximo a evitar estar sozinha com a minha avó, para não correr o risco de ela voltar a vir com conversas deste género. Dizem-me que eu era muito chegada à minha avó e que a partir de certa altura me comecei a afastar. Não sei se foi por causa disto, mas muito sinceramente acredito que sim. Eu era apenas uma criança, queria lá saber de questões filosóficas, existenciais ou de crenças com base em fé e coisas do género. Queria era brincar, gostar dos meus pais e não ter de me preocupar com coisas que não eram para a minha idade. E sobretudo, queria ser eu a decidir de quem é que eu mais gosto. E foi isso que fiz.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Orquestra da Vida

Excerto de um texto datado de 2003 no âmbito de um trabalho por mim realizado, nas áreas da informática e da biologia.
A biologia é uma ciência com muito ainda por descobrir e não se resume ao estudo da vida tal e qual a vemos. Estuda os mecanismos da vida e tenta compreendê-los de uma forma tão pormenorizada como um maestro estuda uma pauta de música, porque ao passo que um músico de uma orquestra só tem que compreender a música no que diz respeito ao seu papel, isto é, ao instrumento que vai tocar, o maestro tem que compreendê-la como um todo e saber exactamente qual o papel e a importância de cada instrumento. E um maestro só é bom a dirigir uma orquestra quando compreende a música para além da pauta que a define. Do mesmo modo se um biólogo quiser ser bom a dirigir a orquestra da vida terá que perceber cada instrumento (cada ser vivo), cada pauta (os genomas dos diferentes seres vivos), cada nota (cada letra da infindável sequência de ATCG's) e, sobretudo, tem que entender o que resulta da interacção disso tudo (a VIDA).

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Pontapés no português

Há dias escrevi sobre os fostes, comestes, fizestes e na altura disse que talvez um dia viesse falar sobre aqueles que já foram os meus erros mais comuns na língua portuguesa. Pois bem, hoje é o dia.


Como se diz (e escreve) 200 gramas de fiambre?
Quando era miúda dizia frequentemente duzentas gramas de fiambre. Mas após ter sido tantas vezes chamada a atenção pelos meus pais, lá corrigi para duzentos. Eu compreendo que neste caso seja complicado para muita gente dizer corretamente. A palavra grama termina em "a" logo intuitivamente pensa-se ser uma palavra do género feminino e por isso 200, ao estar em concordância, deve ser dito duzentas. Só que a palavra grama é uma palavra homónima, isto é, diz-se e escreve-se da mesma maneira, mas tem dois significados diferentes. 

Por exemplo, a  palavra canto. "Enquanto me sento no canto do sofá, escuto com atenção o canto do pássaro."

Com grama acontece exatamente o mesmo, mas com a particularidade de que o género da palavra também difere. Como podem ver no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa a palavra grama assume vários significados, sendo que enquanto unidade de medida (peso) é um substantivo masculino, logo o correto é dizer-se duzentos gramas e não duzentas gramas.


Como se escreve? Amaste ou amas-te?
Ora aqui está um erro MUITO comum nos dias que correm (e que se difunde largamente pelas redes sociais) e que também eu dava quando era nova. Para mim era complicado saber a forma correta de escrever nestes casos, mas acabei por desenvolver um método infalível. Vou tentar explicá-lo aqui, mas não sei se é fácil, pois é um método "sonoro", baseado na forma como a palavra soa. Experimentem dizer as duas palavras dizendo "tracinho" pelo meio, ou seja, para cada uma delas digam "amas tracinho te". Usando como exemplo as duas frases a seguir, é óbvio que a sonoridade da palavra é diferente nos dois casos, certo? Então usando a sonoridade correta digam "amas tracinho te". Numa delas, na primeira, a palavra "amas" é uma palavra que existe, certo? Mas no 2º caso isso já não se verifica, o "amas" dito com a sonoridade correta é uma palavra que não existe. Então o truque está em usar o hífen quando a palavra antes do "tracinho" é uma palavra que existe, dita com a sonoridade correta para esse caso, e não usar o hífen quando a sonoridade correta transforma a palavra antes do tracinho, numa palavra que não existe. Espero que tenham compreendido, porque realmente este método não falha.
  1. "Tu amaste / amas-te muito a ti mesmo, não amas?"
  2. "Quantas pessoas já amaste / amas-te na vida?"


Descobrir ou descubrir?
Para esta não consigo encontrar explicação, só sei que houve uma altura em que não sei porquê achava que se escrevia descubrir em vez de descobrir. E a verdade é que mesmo sendo chamada à atenção para isso, da vez seguinte lá dava o mesmo erro. Demorei a atinar :)


À ou há?
Este erro já é muito antigo, mas nos dias que correm é um dos mais praticados por toda a gente (até nos meios de comunicação social!). É muito fácil de corrigir e não dar este erro. Só é preciso substituir na frase o à / por outra forma do verbo haver, e ver se a frase continua a fazer sentido. Se sim, então deve usar-se o , se não deve usar-se o à. Basicamente a ideia é a de que se se está a fazer referência a algo temporal (1 segundo, 1 hora, 1 dia, 1 mês, 1 ano, 1 século, o que seja), então tem de se usar o verbo haver. Simples, não é?

Vamos ver duas frases de exemplo.
  1. À / muito tempo, numa terra distante, ...
  2. Vou à /   farmácia comprar um medicamento.
Substituindo agora em cada uma delas por outra forma do verbo haver.
  1. Havia muito tempo, numa terra distante, ...
  2. Vou haver / havia / ... farmácia comprar um medicamento.
Na primeira é claro que há uma referência temporal logo a forma correta é o . Já na segunda isso não acontece, logo deve ser usado o à. Por exemplo, na segunda, poderia dizer-se antes assim "Vou a uma farmácia comprar um medicamento", está a haver referência a um local e não a um tempo.


Acentuação / sílaba tónica
Muitas vezes tem-se dificuldade em saber onde colocar o acento numa palavra. Antes de mais tem de se saber que o acento deve estar na última, penúltima ou antepenúltima sílaba da palavra, sendo que essa sílaba deve ser a sílaba tónica. Assim, uma forma, é determinar qual é a sílaba tónia, pois se a palavra for acentuada o acento é colocado nela. Eu uso a técnica infalível, que me foi ensinada na escola primária (atual primeiro ciclo do ensino básico) e da qual nunca mais me esqueci, que é a de "chamar pela palavra". Por exemplo, se formos a andar na rua, virmos um amigo nosso do outro lado do passeio e o quisermos chamar, falamos um pouco alto e pronunciamos bem a palavra, certo? Experimentem chamar pela Beatriz, pelo António e pelo Guilherme. Em cada um dos 3 casos tenham atenção em que sílaba se demoraram mais. Na Beatriz foi na "triz", no António foi na "tó" e no Guilherme foi na "lher". Pois bem, estas são as sílabas tónicas de cada uma das palavras. Este "truque" funciona para qualquer palavra. Se quiserem saber qual é a sílaba tónica (e como se acentua) das palavras imcompetente, concordância, árvore, hipopótamo..., só precisam de chamar por ela e logo a "dúvida" fica esclarecida.


Artigos relacionados


[NOTA: Nos exemplos dados, a azul está a forma correta; a vermelho a errada.]

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

6 litros

Há já algum tempo alguém teve a ideia peregrina de diminuir a altura das tampas das garrafas e garrafões de água. É só a mim que acontece ou a dificuldade em rodar e tirar a tampa é geral? Mas como se isto não bastasse, acabaram por chegar os garrafões de 6 litros. Haverá alguém que prefere os garrafões de água de 6 litros aos de 5 litros?

O engraçado nisto, tal como em todas as outras coisas, é que os custos para "eles" diminuiram, já que é preciso menos plástico para fabricar as tampas (e arrisco-me a dizer que o aumento no tamanho do garrafão também "lhes" é mais vantajoso), mas o preço para nós aumentou (pelo menos numa marca o preço por litro aumentou na passagem dos garrafões de 5 litros para os de 6).

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Fostes, comestes, fizestes

"Tu ontem fostes trabalhar?"
"Já comestes algum prato japonês?"
"Não me digas que já fizestes asneira!"
"Andastes sempre com o gorro?"

E, etc, etc, etc, ...
Até há uns anos pensava que "só" as pessoas menos instruídas davam este pontapé na língua portuguesa, mas a realidade é que não é isso que se passa. Pessoas com formação, incluindo formação superior, falam assim. Gostava de perceber como é que esta moda começou. Diz-se que se deve cortar o mal pela raíz. Talvez fosse possível terminar com este disparate. Mas será que quem fala assim acha que é giro ou chique? Ou pior, acha que é o correto? Esta "variação" ocorre no tempo verbal pretérito perfeito, ou seja, no passado, na 2ª pessoa do singular.

Vamos ver como se conjuga corretamente alguns verbos neste tempo verbal.

Fazer
Eu fiz
Tu fizeste
Ele fez
Nós fizemos
Vós fizestes
Eles fizeram 

Comer
Eu comi
Tu comeste
Ele comeu
Nós comemos
Vós comestes
Eles comeram

E agora os mesmo verbos, mas mal conjugados.

Fazer
Eu fiz
Tu fizestes
Ele fez
Nós fizemos
Vós fizestes - arrisco-me a dizer que dizem fizesteis
Eles fizeram 

Comer
Eu comi
Tu comestes
Ele comeu
Nós comemos
Vós comestes - arrisco-me a dizer que dizem comesteis
Eles comeram

Durante muito tempo esta questão e outras semelhantes de erros frequentemente dados na língua portuguesa, não me incomodavam por ai além. Sabia que as pessoas estavam a falar de forma errada, mas isso acabava por ser um bocado indiferente. Mas à medida que o tempo foi passando e ouvia mais e cada vez mais erros deste género, comecei a "não gostar". E mais recentemente comecei mesmo a ficar algo aterrorizada com a ideia de que o meu filho cresça a ouvir falar desta maneira, e também ele acabe por falar assim.

Como verão, sou algo fanática com a ideia de que se deve falar e escrever português corretamente. Acho mesmo que pouco vale que um engenheiro faça uma ponte fantástica, por exemplo, se depois dá erros atrás de erros quando fala ou escreve em português. Para mim é tão básico quanto isto: o português é a nossa língua, é algo que aprendemos desde muito pequeninos e se não sabemos fazer um uso correto dela, como convencemos alguém de que dominamos outra matéria que apenas estudámos durante meia dúzia de anos? 

Quero fazer a ressalva que também eu, de tempos a tempos, lá dou as minhas calinadas. Ninguém é perfeito e nem mesmo eu, que procuro a perfeição no português falado e escrito, estou livre de erros. Mas tenho o cuidado de ir aprendendo e de evitar dar os mesmos erros. Talvez de uma próxima vez escreva sobre aqueles que já foram os meus erros mais comuns e sobre quais são os atuais (principalmente agora com o acordo ortográfico de certeza que até este texto não está livre de erros).

Quanto a vocês, dos que estão a ler e que usam sistematicamente o tu fostes, tu fizestes, tu comestes, parem para se ouvir a vós mesmos. É que não é nada bonito nem chique falar assim. Fica feio, soa mal. E se estiverem para ai virados, comecem hoje mesmo a fazer um esforço consciente para passar a dizer tu foste, tu fizeste, tu comeste.