quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Vestir a camisola!?

Um dia disseram-me assim: "de vez em quando também é preciso vestir a camisola da empresa". E eu respondi: "e quando é que a empresa veste a camisola por mim?".

São muitas as pessoas que se queixam das suas condições de trabalho ou manifestam o seu desagrado em relação às mesmas, principalmente quando falamos em horas extraordinárias (normalmente não pagas) ou "imposição" em trabalhar fora de horas. Hoje em dia esta situação tornou-se recorrente e, pior que isso, normal. Normal não só para os empregadores, mas também para os funcionários. E para mim, pior que um patrão assumir que um funcionário seu fica a trabalhar até mais tarde o tempo que for preciso (sem ser recompensando por isso), é um funcionário fazê-lo por sugestão ou iniciativa própria.

No meu grupo de amigos e conhecidos tenho vários exemplos destes, pessoas que "não se importam", aqui e ali (mesmo que o "aqui e ali" se tornem algo frequentes) em trabalhar até mais tarde ou em feriados ou fins-de-semana. Um dos comentários que já me fizeram foi o que já referi: "de vez em quando também é preciso vestir a camisola da empresa". Outro, que acho extraordinariamente delirante, é: "lá na empresa é fácil de ver quem trabalha e quem não trabalha; quem sai à hora não trabalha; quem fica até mais tarde 1 ou 2 horas é quem trabalha". Este último comentário é, na minha opinião, extremamente perigoso. Perigoso no sentido em que se por vezes já não há um verdadeiro respeito pelos horários e pela vida pessoal dos funcionários por parte dos seus patrões, se houver funcionários que têm este tipo de pensamento então o caldo está completamente entornado.

No meu grupo de amigos e conhecidos a minha maneira de ver esta questão é rara. Devo ser das poucas (senão mesmo a única) a ter uma posição contrária à da maioria. Neste momento estou desempregada, motivado por questões pessoais que me fizeram mudar de cidade, mas no meu anterior emprego, no qual permaneci perto de 6 anos, a minha posição esteve sempre bem clara e não me lembro de nenhuma vez ter de ter dito "não, eu não faço horas extra e não, não trabalho mais do que aquilo para que sou paga nem venho trabalhar em feriados e fins-de-semana". Mas se nunca precisei de o afirmar tão claramente, como é que a minha posição estava tão afincadamente assente? Muito simplesmente com a minha atitude desde o meu primeiro dia de trabalho. Houve no outro dia uma pessoa, numa conversa entre amigos de certo modo relacionada com este assunto, que disse "tens de educá-los desde pequeninos", e vendo bem foi isso mesmo que eu fiz. Não vou mentir, não vou dizer que foi fácil manter esta postura durante 6 anos livre de comentários (mesmo que ocultos), olhares ou pensamentos recriminatórios por parte de outras pessoas da empresa, mesmo funcionários tão funcionários quanto eu. Mas nada disso me demoveu. Sou apologista de que tem de haver equilíbrio e a minha vida dificilmente estaria equilibrada se a parte pessoal dela ficasse completamente posta de parte.

A minha atitude no emprego sempre foi a de cumprir diariamente as 8 horas para que era paga. Para isso, via a que horas chegava, via quanto tempo demorava a almoçar (já que tinha direiro a 1 hora e muitas vezes demorávamos bem menos que isso) e após as continhas determinava a hora de saída. Sempre com a preocupação de cumprir as 8 horas, nem menos, mas também não mais (se os patrões são rígidos para o "menos" - e bem! - eu sou rígida para o "mais").

Se nunca trabalhei num dia mais do que 8 horas? Sim, claro que sim, claro que isso aconteceu. A maioria das vezes foi por decisão minha, por estar a terminar alguma coisa e preferir ficar, por exemplo, mais 20 minutos do que no dia seguinte ser-me mais complicado recomeçar a tarefa que tinha deixado inacabada no dia anterior. Outras vezes foi por pedido e dessas vezes notava sempre no patrão alguma dificuldade em mo pedir, lá está, por saber exatamente qual era a minha posição. E dessas vezes, principalmente por querer deixar bem claro que o meu ponto de vista se mantinha, aceitava, mas com "cara de poucos amigos", mostrando sem problemas que não me agradava. Nunca trabalhei num feriado nem num fim-de-semama e se não me engano nunca estive mais de 1 hora a mais a trabalhar. E em 6 anos posso dizer que isso foi tão raro que provavelmente uma mão, vá, duas mãos chegam para contar o número de vezes.

Como já referi não foi fácil conseguir e manter isso, e o motivo principal era a atitude dos restantes colegas de trabalho. A empresa onde trabalhava é uma empresa pequena com menos de 10 colaboradores (entre funcionários e patrões). Como tal, trabalhávamos (quase) todos no mesmo espaço e por isso era fácil de ver os horários que cada um praticava. Durante muito tempo saíamos todos juntos para almoçar e a partir de certa altura isso começou a revelar-se um problema... Quando o volume de trabalho era mais intenso, notava-se claramente que os patrões apressavam o almoço para mais depressa regressarmos ao trabalho (não digo que o fizessem com o intuito de voltarmos todos rapidamente ao trabalho). Chegámos, por várias vezes, a demorar cerca de 30 minutos entre sair do escritório, andar cerca de 5 minutos até ao local de almoço, almoçar e regressar. E para mim isto era um grande problema, uma vez que para seguir os meus princípios de trabalhar as 8 horas tinha apenas duas soluções: regressar logo ao trabalho ou fazer tempo até voltar a ir trabalhar. No primeiro caso isto podia ser mau, uma vez que o ajuste da hora de saída podia resultar em eu sair "antes do tempo". Por exemplo, se tivesse chegado ao emprego às 9:15 a hora expectável de saída seria às 18:15 (8 horas de trabalho + 1 hora de almoço). No entanto, após o ajuste, sairia às 17:45 quando o horário normal de trabalho na empresa era das 9:00 às 18:00. Aos olhos das restantes pessoas, e principalmente dos patrões, o mais certo era que qualquer saída antes das 18:00 significasse sair antes do tempo, apesar de na verdade as 8 horas contratadas estarem a ser cumpridas. Se por outro lado ficasse a fazer tempo até regressar ao escritório, isso podia dar azo a comentários menos felizes como nos foi feito uma vez, após um dos tais almoços relâmpago, em que eu e outros dois colegas parámos à porta do prédio enquanto os restantes entraram: "então, vocês não sobem?".

Mas a questão do almoço até a considero secundária. Nas alturas em que já estava mais saturada da situação resolvia a questão indo almoçar sozinha. O que mais me "dificultou" foi ter colegas a trabalhar voluntariamente até mais tarde. É a típica "discriminação por comparação". Os outros fazem, porque é que tu não fazes também? Sempre tive noção que as pessoas, leia-se (sobretudo os) patrões, me discriminavam nesse sentido, que não aceitavam bem essa minha posição e maneira de ser, que achavam que eu devia dar mais de mim e contribuir mais. Nunca mo disseram, fosse para me criticar ou simplesmente para mo dizer, mas sempre soube. E tive a confirmação por parte de um deles, com o qual tive uma conversa interessante na altura em que me vim embora da empresa. Disse-me que inicialmente nunca esteve de acordo com o facto de eu ser tão rígida com o horário de trabalho, mas que nos últimos tempos tinha deixado de julgar isso como errado ou certo e que começava a acreditar que eu é que estava certa. Basicamente, que o meu trabalho era eficiente e por isso que mais podiam exigir de mim? E aqui está, julgo eu, o grande segredo, se é que há algum segredo nisto...

Sejam 3, 5 ou 8 as horas contratadas, seguindo os meus princípios as horas de trabalho são para trabalhar. Se não consultava o email de vez em quando respondendo ou enviando emails aqui e ali? Sim, claro que sim. Se quando chegava do almoço não via durante uns minutinhos as notícias na internet? Mais uma vez sim. Agora, em todo o tempo que lá estive nunca usei o msn (sim, ainda sou do tempo do msn :)) e devo ter feito login no facebook uma meia dúzia de vezes. O que é que quero dizer com isto? Quero dizer que eu realmente me preocupava em estar a trabalhar e em concluir as minhas tarefas. Nos quase 6 anos só me fizeram elogios ao meu trabalho, nunca me apontaram uma vírgula que fosse (palavras deles, não minhas) e não acho que tenha havido um projeto que fosse que se tenha atrasado por culpa minha. Sendo assim, se eu fazia o que me competia, que mais podiam exigir de mim? Acho que foi por isto que, sabendo da minha posição em relação a trabalho fora de horas, nunca se sentiram confortáveis em me pedir para trabalhar até mais tarde, porque na realidade não tinham nada a me apontar para o justificar.

A acrescentar a isto tenho noção que esta minha atitude me pode vir a prejudicar. Se há alguém com as mesmas competências que eu que está disposto, pelo mesmo valor, a trabalhar mais tempo, porque razão me contratariam a mim e não a essa pessoa? Mas será que devo mudar para que esses casos não surjam? Acho que não. Acho que não e não quero mudar. Porque isto faz parte daquilo que eu sou e porque realmente acho que é preciso haver uma mudança na mentalidade das pessoas. Na empresa onde estive já consegui mudar um bocadinho a mentalidade das pessoas, nem que tenha sido de só uma, e nem que fosse só por isso valeu a pena o esforço de ser a pessoa com a atitude diferente face aos horários de trabalho. Recentemente vi-me confrontada com esta situação numa entrevista de emprego. Após uma entrevista algo atípica (o entrevistador até era simpático, mas não foi a experiência mais interessante pela qual passei - talvez fale nisso numa próxima vez), o entrevistador concluiu dizendo que a empresa tem estado a crescer muito e que isso se deve à dedicação e empenho dos funcionários. Disse que nas alturas de maior trabalho, de mais stress, é o empenho total dos funcionários que permite que tudo funcione. E concluiu dizendo: "estás a perceber o que quero dizer?". E eu pensei "estou a perceber tão bem, que não fosse o facto de a entrevista não ter corrido grande coisa, eu neste momento já estaria completamente de pé atrás em relação a uma possível carreira aqui".

Se eu nunca vestirei a camisola de uma empresa onde trabalhe? Nunca digas nunca, já alguém dizia, mas acho difícil. Para o começar a considerar primeiro teria de sentir que a empresa também vestiria a camisola por mim. Teria de sentir que o meu esforço seria devidamente recompensado, que realmente valorizavam o que faço com mais do que palavras. Se assim não fosse, quem seriam eles para "roubar horas de vida pessoal a troco de nada"?

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