quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Quem é que mais adoras?

Lembro-me como se tivesse sido hoje e no entanto já se passaram muitos e muitos anos. Era então apenas uma miúda, uma criança cuja preocupação mor era brincar até não poder mais :)

Fui educada no sentido de ser católica praticante, daquelas que vão à missa todos os domingos. Andei na catequese o tempo todo. Fiz todas as comunhões. A minha mãe assim entendeu que devia ser, até porque ela nasceu numa família de forte devoção. Já o meu pai, apesar de ter sido também criado nesse sentido (apesar de com menos "intensidade"), por altura do meu nascimento já não era praticante e no que dizia respeito a essa parte da minha educação sempre se absteve, nunca me forçando a tomar qualquer direção.

Imagino que tendo sido eu uma criança e uma adolescente pouco ou nada problemática, sempre muito certinha e fiel aos meus "compromissos" divinos, que tenha sido um choque quando um dia disse, já depois de finalmente ter feito a última comunhão possível, que não voltava a ir à missa. A minha mãe falou comigo várias vezes. A minha avó também. Sempre me tentaram demover e convencer a voltar. Mas eu estava determinada e convicta do que queria e do que acreditava, ou melhor, do que não queria e do que em que não acreditava. Passado uns tempos as conversas sobre o assunto terminaram e finalmente aceitaram.

Mas as confrontações sobre o facto de eu não acreditar em deus, ou num deus, não ficaram por aqui e já mais do que uma vez, ao longo da vida, elas voltaram. Muitas vezes por parte de amigos.

Sabem uma coisa? O que eu sempre quis em relação a este assunto, que eu sei que é delicado e complicado de gerir (acreditem que sei isso!), é que me respeitem. Apesar de me terem "chateado" muitas vezes com isto, de me terem tentado mudar a opinião e de até me terem criticado, eu nunca, mas mesmo nunca fiz o contrário. Nunca tentei convencer um crente a deixar de acreditar. Nunca tentei convencer ninguém a deixar de ir à missa. Nunca critiquei ninguém por acreditar em deus.

Eu acredito sobretudo na ciência, acredito sobretudo que não devemos deixar de procurar respostas para os mistérios ainda por desvendar. E como tal, no meu entender, isso também significa que até prova em contrário qualquer hipótese será válida. Se alguém me disser "o meu gato foi o criador do universo" eu vou pensar, tal como praticamente qualquer pessoa pensaria, "não estás bom da cabeça", no entanto, posso provar que não é verdade? Eu sei que este é um exemplo um bocado idiota :) mas é só para deixar claro o meu ponto de vista. A ciência baseia-se em factos e considera verdade tudo aquilo que consegue provar. Do mesmo modo, considera como impossível ou como mentira aquilo que consegue provar como o sendo. Portanto, a bem dizer, a hipótese de que existe um deus (ou vários, depende da religião) não pode estar afastada pela ciência enquanto a ciência não provar que deus não existe. Pelo menos é assim que eu vejo as coisas.

Eu não acredito que deus exista. Não acredito que houve uma entidade superior que nos transcende que criou tudo o que existe. E ainda bem que não acredito, ainda bem que há mais pessoas como eu e ainda bem que as há desde sempre. Se assim não fosse, ainda hoje vivíamos atormentados sempre que houvesse trovoadas pois seriam um castigo dos deuses...

Mas como em tudo tem de haver equilíbrio e nesta matéria acho que vai haver sempre pessoas que não acreditam e pessoas que acreditam. Pessoas que procuram outras respostas para os mistérios e pessoas que se contentam com uma resposta simples, mesmo que não a compreendam. E por este motivo e pelo facto de que eu sou uma pessoa que se preocupa em promover o respeito, nunca critiquei ninguém só porque tem uma opinião diferente da minha nem nunca tentei convencer ninguém a mudar de lado. E o que me deixa triste é que já fizeram isso tudo comigo, várias vezes. Não acho que a minha maneira de ver as coisas seja a correta e que a maneira das outras pessoas seja a errada. Então porque razão as outras pessoas se acham no direito de considerar a sua forma de ver mais válida do que a minha? É apenas a minha opinião e vale o que vale. Para mim vale muito, para os outros pode não valer nada. E com isso posso eu bem.

O engraçado nisto tudo é que eu sei que há pessoas que pensam que fui influenciada pelo meu pai. Não podiam estar mais erradas. Como já referi, enquanto que o lado da minha mãe me puxava para um sentido, o meu pai não me puxava para nenhum. Em vez disso promovia que eu pensasse por mim e estou-lhe muito grata por isso, pois desde muito cedo que eu comecei a formular as minhas opiniões sobre os mais variados assuntos. Sempre me interroguei sobre o universo ser ou não inifinito e formulava as minhas próprias teorias. Queria saber o que é um arco-íris e porque motivo é em arco. Queria perceber o que era a lua e porque não era sempre do mesmo tamanho e forma. E no que diz respeito à religião pensava muitas vezes que não conseguia perceber como é que podia existir um deus que tinha criado tudo.

O maior contacto que tinha com a religião era na catequese e na missa. Quando era pequenina essas duas horas por semana eram para mim um verdadeiro desperdício. Para quê estar ali sentada a fazer de conta que ouvia falar, quando podia estar a brincar ou a ver desenhos animados? À medida que fui crescendo a noção de desperdício manteve-se, mas decidi que ia começar a ouvir o que o padre dizia para perceber se havia algum sentido naquelas palavras. E foi então que a minha verdadeira aversão à igreja começou. Muito sinceramente não acredito que haja alguém que após meia dúzia de vezes com o máximo de atenção a tudo o que se diz numa missa, continue a ir. Para começar há uma série de coisas que se dizem durante a missa que se contradizem e vão contra alguns dos seus próprios princípios. Depois, aquele monólogo do padre durante 15 ou 20 minutos pode ser um verdadeiro tesourinho deprimente. Não me lembro do assunto que foi, mas lembro-me de uma vez estar na missa e de sentir uma revolta enorme pelo que o padre estava a dizer. Ele estava a comentar um assunto qualquer atual. Eu não concordava em nada com a opinião dele, mas o meu problema não era esse. O meu problema era a forma como ele estava a colocar a questão e a forma como estava a falar dela. Eu tinha a capacidade de pensar por mim e não me deixar influenciar, mas lembro-me de olhar à volta e de ver toda a gente muito concentrada e a absorver tudo tão avidamente, que era quase certo que a partir daquele momento a opinião de todas aquelas pessoas sobre aquele assunto seria a mesma, e coincidente com o que o padre estava a dizer. E acho isso extremamente perigoso. A capacidade que um padre tem de influenciar e moldar a mentalidade e a opinião dos seus fiéis.

Aqui ficam alguns exemplos ridículos de coisas que se dizem durante a missa e de coisas que se "ensinam" aos miúdos.
  • "Senhor eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e eu serei salva". Então, mas eu pensava que segundo a igreja somos todos iguais. Jesus não decidiu nascer pobre para mostrar que não é mais do que os outros, que é humilde? Se assim fosse, porque razão alguém não seria digno de ter jesus na sua morada?
  • Aquela história fabulosa em que deus pergunta não sei a quem se o adora. Ele responde que sim. E deus diz que para o provar tem de matar o filho. Então ele vai matar o filho e mesmo em cima do acontecimento deus aparece, impede-o e diz que acredita que ele o adora. Esta é provavelmente a coisa mais idiota que pode haver em toda a bíblia ou onde quer que seja que esta história aparece. Alguém que me fizesse esse ultimato e eu nunca mais queria ver essa pessoa à minha frente. Mas alguém no seu perfeito juízo diria a uma pessoa que para provar que o adora teria de matar alguém, o seu próprio filho? Só mesmo alguém que não gostasse dessa pessoa, alguém com um pensamento muito macabro provavelmente com tendências psicopáticas. Desculpem se neste ponto em concreto não consigo ter uma mente aberta e aceitar que haja quem veja nesta história uma grande prova de amor (do pai que ia matar o filho por deus, de deus que não deixou o pai matar o filho por ele).
A minha escrita sobre este assunto já vai longa e sinto que me perdi e dispersei. Voltarei a ele noutra altura até porque ainda gostaria de falar de outras coisas. Mas antes de terminar queria dizer que não guardo rancor nem à minha mãe nem à minha avó. Não gosto menos delas só porque numa dada altura da minha vida insistiram demasiado comigo sobre este assunto. Na verdade gosto na mesma, é impossível não gostar. Eu sei que elas acreditavam que estavam a fazer o que era melhor para mim. Acreditam profundamente na religião cristã e gostando de mim queriam o melhor para mim, e como tal, para elas, eu ser cristã, uma católica praticante, uma crente, seria uma coisa positiva na minha vida.

Mas a realidade, e aqui está um pouco a ironia da coisa, é que sem saber a minha avó foi provavelmente a alavanca que despoletou em mim muito cedo uma certa aversão à igreja e a ser católica. Lembro-me como se tivesse sido hoje e no entanto já se passaram muitos e muitos anos. Era então apenas uma miúda, uma criança cuja preocupação mor era brincar até não poder mais :) Não sei que idade tinha. 5? 6? Por ai. Era fim do dia e devia ser outono. Ainda não era hora do jantar, mas quase, porque fui à minha avó buscar qualquer coisa que a minha mãe me pediu para o jantar. Ainda não era de noite, mas já estava a ficar um pouco escuro. Quando já estava a ir embora de volta para casa, a minha avó chamou-me e ali no corredor, junto à porta de saída, fez-me a seguinte pergunta "quem é que mais adoras?". Fiquei parada a olhar para ela a pensar que a pergunta não fazia sentido. Que era óbvio que gostava da minha mãe e do meu pai e foi isso que respondi "a mamã e o papá". "Não", disse ela, "tem de ser só uma pessoa". Naquele momento estava já a detestar aquela conversa e só me queria ir embora. Pensava que não podia ser, eu não gostava mais da minha mãe ou do meu pai, gostava dos dois igual e não queria escolher um deles. Pior que isso não gostava que a minha avó me estivesse a obrigar a escolher um deles e que me estivesse a fazer sentir daquela maneira. Só me queria embora, como já disse, e então respondi "a mamã" pois sendo ela a mãe da minha mãe pensei que era isso que ela queria ouvir e assim a conversa acabava depressa. "Não, não é a mamã". E então prontamente respondi "o papá", pois se a resposta certa não era a minha mãe, então só podia ser o meu pai. "Não, também não é o papá". Naquele momento estive quase para me ir embora . Não podia acreditar que a minha avó depois de me ter obrigado a "escolher" entre a minha mãe e o meu pai, tenha decidido ela quem são as pessoas que mais adoro ou, neste caso, que eu não mais adoro. Acabei por dizer "a ti", pensando que era isso que ela queria ouvir. A resposta dela foi "a deus". Acho que soltei um "ah!" e fui-me embora completamente baralhada das ideias sem perceber porque é que a minha avó queria ser ela a decidir de quem eu gostava mais, e porque é que eu tinha de gostar mais de deus do que dos meus próprios pais. E já agora, "quem é deus? nunca o vi! como posso gostar mais dele do que dos meus pais?". Depois desta conversa passei ao máximo a evitar estar sozinha com a minha avó, para não correr o risco de ela voltar a vir com conversas deste género. Dizem-me que eu era muito chegada à minha avó e que a partir de certa altura me comecei a afastar. Não sei se foi por causa disto, mas muito sinceramente acredito que sim. Eu era apenas uma criança, queria lá saber de questões filosóficas, existenciais ou de crenças com base em fé e coisas do género. Queria era brincar, gostar dos meus pais e não ter de me preocupar com coisas que não eram para a minha idade. E sobretudo, queria ser eu a decidir de quem é que eu mais gosto. E foi isso que fiz.

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