domingo, 24 de fevereiro de 2013

Só para manter a tradição?

Ora aqui vem a continuação ao Quem é que mais adoras?.

Uma das situações mais recentes em que fui confrontada com as questões da igreja, se bem que de um modo indireto mas que no fundo tudo tinha a ver comigo, foi quando me casei. O nosso casamento foi pelo civil, mas houve vozes de crítica a isso. Houve quem tentasse que mudássemos de opinião e fizéssemos um casamento católico. E o pior de tudo foi o modo como essa pressão foi feita e os motivos por que foi feita... O método usado para pressionar foi à base de chantagem emocional. Sempre que essa pessoa falava sobre esse assunto, chorava. E uma das razões que invocava era o que as pessoas iam pensar. Esta situação não foi nada fácil de gerir para o meu marido, já que era com ele que falavam sobre isto. Uma fase das nossas vidas que devia ser marcada pela felicidade e união, pelo gosto e pelo querer em organizar tudo bem para que tudo corresse exatamente como desejávamos, acabou por ser algo atribulada por causa desse conflito. Ainda hoje não consigo aceitar que essa situação tenha ocorrido, mas pronto, pelo menos são águas passadas.

Mas agora uma nova fase complicada se aproxima. Na realidade já se iniciou. O não batizado do nosso filho... Ele está quase a fazer 1 ano e até agora nunca ninguém nos ouviu falar em batizado. No outro dia a minha avó telefonou-me e veio-me com esta questão. E eu que achava que ela já tinha mudado, uma vez que ela não fez nenhum bicho de sete cabeças do facto de não me ter casado pela igreja. Na verdade, ainda nem sequer falávamos em casamento, e uma vez ela disse-me que não interessava como eu ia fazer, se me ia juntar, casar ou fazer como fizesse. Que o que importava é que eu fosse feliz. Mas agora voltou a puxar do assunto. Tentei explicar-lhe que nós não o vamos batizar porque não acreditamos nisso. Que se um dia ele quiser até lhe faço uma festa, mas que não vai ser por nossa iniciativa. Claro que ela ficou triste e acabou a conversa a dizer que sem as bases dificilmente ele um dia vai querer, mas que pode ser que sim, que ela vai rezar muito por isso...

Em relação a este assunto, tal como já foi em relação ao casamento, é muito simples. Eu não faço de conta. Não acredito em deus nem em nada da igreja e o meu marido também não. Então porque razão nos haveríamos de casar pela igreja e de batizar os nossos filhos? Só para manter a tradição? É que há muito boa gente que o faz. Que se casa pela igreja e batiza os filhos com um sorriso nos lábios só para parecer bem, só para manter a tradição. E se me pedirem para participar nesses eventos eu participo de boa vontade. Se as pessoas estão felizes dessa maneira (mesmo que seja principalmente pelas aparências), então a mim como amiga ou familiar só me cabe respeitar essa decisão e estar presente para testemunhar dessa felicidade. Pelo menos é assim que eu penso.

Mas na minha vida mando eu. E na nossa vida mandamos eu e o meu marido. E não me venham cá com conversas, mas se não podemos ser nós a decidir como queremos viver a nossa vida então mais vale amarrarem-nos uns fios às mãos e aos pés e decidirem o nosso destino como se marionetas fôssemos.

Cá em casa o nosso filho não nos vai ouvir falar em deus. São as tais bases que a minha avó diz que lhe vão faltar. Mas eu não sou tapadinha. Vivemos num país católico e por isso as manifestações de religião estão em todo o lado. A menos que o prenda em casa toda a vida sem acesso a televisão, rádio e internet, então o meu filho vai ouvir falar nessas coisas. E vou impedir? Não, claro que não. Essas coisas também fazem parte da nossa cultura, da história do nosso povo, para o bem e para o mal. Se ele neste natal que passou fosse mais crescidinho, de certeza que um dia tinha chegado a casa a perguntar coisas sobre deus, porque no infantário fizeram uma festa de natal e naturalmente houve um presépio e alusão ao natal cristão. E ele vai crescer rodeado por outras pessoas, por outros miúdos. A única coisa que posso esperar é que ele não seja influenciado e que construa as suas próprias opiniões e crenças. Se assim for, mesmo que acabe por se tornar numa opinião diferente da minha, então tudo bem.
 
Algures no texto disse que não faço de conta. Fi-lo durante muitos anos ao ir à missa, à catequese, ao levantar-me cedo nos domingos de páscoa para fazer de conta que dava um beijo na cruz. Tudo isso acabou quando finalmente decidi confrontar a minha mãe (e depois a minha avó) dizendo que não acreditava em nada daquilo. E foi um peso enorme que saiu de cima de mim. Mas entretanto já tive de fazer de conta uma vez. Foi na primeira páscoa depois de nos casarmos. Fomos passá-la a casa de uns tios do meu marido. Quando estávamos a ir para lá eu disse-lhe que eu não ia fazer de conta que ia dar um beijo na cruz. Expliquei-lhe que já há muitos anos que não fazia isso em minha casa e que portanto para mim não fazia sentido que se não o fazia pela mãe e pela minha avó, então não o ia fazer por outras pessoas. Disse-lhe que era melhor ele "avisar" a mãe antes e disse-lhe até que se ele quisesse no momento em que o compasso chegasse eu podia fazer de conta que tinha de ir a correr para a casa de banho... O compasso chegou inesperadamente. Quando dei conta já estavam a subir as escadas da casa e toda a gente foi a correr da cozinha para a sala. O meu marido ficou a olhar para mim como que a dizer "que vais fazer?". A mãe dele percebeu que algo se passava porque também olhou para mim. E naquele momento percebi que estava prestes a fazer de conta outra vez na minha vida. Não pela minha mãe. Não pela minha avó. Muito menos pela minha sogra ou pelos tios do meu marido. Estava prestes a fazer de conta outra vez pelo meu marido. E lá fui eu. Tentei encarnar o espírito da coisa. Já que estava ali ao menos ia tentar não estar de "trombas". Mas acho que não consegui disfarçar muito bem. Seja como for isso era irrelevante para todas as outras pessoas. Eu estava lá e isso é que interessava. Ninguém tinha de ficar mal visto, ninguém tinha de fazer má figura por causa de mim. Lá dei um beijo no ar sempre a recuar, porque quem estava a segurar na cruz teimava em tentar chegá-la para mim (e nunca vi um propagador de doenças tão eficaz como uma cruz que anda de boca em boca a ser beijada por todos). Disseram para lá umas coisas, atiraram água para o ar, receberam um envelope com dinheiro (!?) e foram embora. Melhor que isso, aquela situação horrorosa onde estava de novo metida estava terminada.

Ainda não voltei a passar pelo mesmo. Na páscoa seguinte fomos a casa dos meus pais e lá não sou obrigada. No ano passado passámo-la em nossa casa com os meus sogros e portanto como era a nossa casa não foi lá o compasso. Este ano, em princípio, deve ser novamente com os meus pais, por isso estou livre por mais um ano.

Mas esta situação vai acontecer de novo. E não sei como, mas não vou voltar a fazer de conta. Até porque quando o fiz ainda não tínhamos filhos. Agora já temos um. E eu não lhe quero passar a imagem do fazer de conta. Onde é que estava a coerência em afirmar que não acredito em deus e em nada dessas coisas e depois perante outras pessoas agir como se acreditasse? Que para mim a páscoa e o natal são apenas festas para estar com a família, para fazer uma árvore e dar prendas, para comer doces, chocolates e ter um ovo da páscoa, e na presença de outras pessoas agir como se para mim também fossem festas católicas? Não, não vou fazer de conta. Já não é tanto por mim, mas é mais pelo meu filho. Se eu afirmo uma coisa então tenho que me manter fiel a essa afirmação, não vou andar a alterar o meu comportamento e ser diferente daquilo que acredito perante determinadas pessoas. Não faz o menor sentido e não quero que o meu filho aprenda e cresça a ser assim. Quero que ele aprenda a criar as suas próprias opiniões e quero que se sinta sempre no direito de viver segundo elas e não segundo as aparências.

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